sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Voltando para casa

A paisagem do subúrbio anoitecido sempre despertou aqui dentro uma sensação de “to voltando pra casa”.
Vinte para meia noite. Estou realmente voltando para casa. Em todos os sentidos. Na linha 2719 o fluxo dos transportes é rápido e (acredite!) existe uma puta fila na estação do metrô até esta hora da noite.
Rezam algumas lendas de que as linhas de lotação são financiadas pelo Primeiro Comando da Capital – na real, eu não duvido. E ainda acrescento o pensamento: o que hoje em dia não é financiado por alguma natureza de patifaria? Poucas coisas.... Amor não se financia – sim, eu precisava trazer algum elemento-abstrato para essa reflexão tão crua.
Penso que quero estar em casa e dormir. A época da insônia? Hoje é uma lembrança ainda sofrida. Por enquanto nada de chá de maracujá, atualmente só a internet me assalta o sono... mas, esta noite não: a cama é a melhor pedida.
Olhando as pessoas em volta: estudantes barulhentos, trabalhadores visivelmente cansados, visivelmente ausentes, alguns com a percepção transitando por algum canto do cosmos, ou do inferno-de-si-mesmos. Pessoas. Histórias. Expressões. Diluídos no meu cansaço. Um carinha com uma touca escrito ‘timão’: viva a zl! E não é que tem gente super disposta a conversar numa noite dessas? Bom... pra não ouvir a música-chata-ambiente, daquelas que grudam no ouvido, melhor aumentar o som do meu rádio... e o Ian Curtis declama: “Could these sensations make me feel the pleasures of a normal man?” – Será que poderiam Ian? Por que você se matou?
Minhas mãos – preciso tirar esse esmalte da unha. Lembro de tudo que eu tenho que fazer amanhã e finjo que me esqueço, porque não é hora pra isso.
Casa. A avenida S. Miguel à noite assume o seu movimento particular. O bingo descaradamente aberto, os motéis baratos e pouco movimentados, a ‘curva da morte’ (pausa: quando falo esse nome para os meus amigos que moram longe eles acham estranho. Ou acham legal). De um lado a delegacia que também me traz lembranças descompensadas, do outro o ponto dos travestis que era da Sheilinha, mas...dia desses soube que ela morreu... e agora? Quem será que assumiu? E esse tanto de adolescente se travestindo, o que será que eles pensam? Como fica o trabalho de profilaxia da rede pública de saúde? E no meu rádio, Lou Reed me situa: “Sugar Plum Fairy came and hit the streets Lookin' for soul food and a place to eat Went to the Apollo You should've seen 'em go go go They said, Hey sugar Take a walk on the wild side...” Tudo bem, não é New York... mas o caminho é, a sua maneira, selvagem...
Quantas curiosidades internamente espalhadas, procurando as mais variadas rotas de fuga. Quem mora no subúrbio acaba se acostumando com longas distâncias e com o transporte público. Digo isso por mim, com propriedade. Há alguns anos eu já poderia ter comprado meu carro, e eu nem sequer tirei a carta. Outros interesses, outras prioridades. E pensar que na época da faculdade eu fazia esse trajeto metrô-casa todo dia. Costumes.
O menino bonitinho com a touca do Corinthians deu sinal (sim, ele é realmente bonito... mas essa touca...) Fico pensando nas minhas exigências, nas minhas fases “sem critério”, e concluo que em cerca de dez anos de transporte coletivo eu conheci dois... três carinhas interessantes? Pensando bem, dois. Um deles, que eu conheci com uns 16, psicotizou e eu inclusive atendi na já citada delegacia onde estagiei anos mais tarde. Ele não lembrou de mim (também....) . Bairro pequeno. Mundo pequeno. Os outros? Viraram história. Daquelas que talvez não valha a pena contar pros netos...
E por que tantas lembranças? Inocente pretensão a minha de ter algum tipo de resposta.
A noite cai no subúrbio escuro, cai em mim mesma. Eu mesma, conduzida até minha casa, ora sou brisa noturna que se desvia, ora orvalho que nas madrugadas frias umedece os vidros dos carros. Eu que sigo sempre. Pelo trajeto delimitado da linha de lotação, por tantos caminhos improváveis desta vidinha... Talvez seja tudo a mesma coisa. Talvez amanhã as coisas mudem. Compassos alternados da dança da existência, à espera do próximo acorde... e eu estou apenas voltando pra casa, pelo lado selvagem, sempre.

Um comentário:

Lígia Nogueira disse...

Putz! Perfeito!Viva a ZL!!!HEHEHE