Apenas manter-se caminhando. ‘Apenas mantenha-se caminhando, poeta’. Essa voz atravessa as barreiras dos sentidos, chega aqui, com a suavidade de uma brisa, por alguma via enviesada...
Apesar de tantas coisas! (...)
E querendo ou não, percebendo tudo que funciona bem (ou não) aqui fora ou abafadamente aqui dentro, eu sei que meu caminho sou eu quem construo. E isso é realmente bom. Tenho me convencido disto.
Caminhando pela rua concreta, depois de uma chuva de janeiro qualquer: O entardecer no subúrbio traz um efeito tão específico . É como se eu passasse, sem intenção, pelo exercício diário de revisitar a minha história.
Os ecos do meu dia, as palhaçadas dos meus amigos que contribuem para que eu dificilmente perca o bom humor, a lírica latente que me permite manter a poesia, apesar de tantas cruezas com as quais eu me deparo no meu dia a dia. Minha atenção se perde e se acha entre todas as naturezas de barulhos urbanos do meu bairro: a criançada brincando, os carros de churros com aquelas músicas impagáveis, um carro de propaganda que toca a música do plantão da rede globo (e sempre me assusta...),a música tão triste (que chega a doer) daquele caminhão de gás, que insiste em também me fazer triste – ainda mais porque os cachorros da minha rua começam a uivar - aquele trequinho de soprar do vendedor de vassouras que faz um barulho completamente...nostálgico... tantos sons... que me conectam e desconectam, como se fosse a primeira vez, como se fosse sempre.
Manter-se andando e ouvindo, e apreendendo... o céu meio cor de rosa, meio azul. A estranha beleza do efeito que às vezes a poluição deixa no cair da tarde. E eu olho... e penso... em tantas coisas.
As pracinhas que hoje funcionam mais como ponto de tráfico do que como ponto de encontro... mas para mim ainda são pontos de diferentes tipos de encontros, inclusive dos comigo mesma. Este asfalto desgastado por onde passam skates adolescentes , carros apressados (para que?), voltam ônibus cheios. Este chão sobre o qual se erguem tantas construções descontínuas e até...feias, mas que ainda sim, preservam esta intensa personalidade. As pessoas do subúrbio se relacionam com o espaço por onde transitam. Isso não é regra. Isso não é melhor ou pior. Isso apenas é constatação deste par de olhos atentos e curiosos.
Talvez toda essa descontinuidade seja realmente necessária prá eu me manter... talvez o meu principal abrigo, de fato, se situe, do lado de fora.
Mas, simplesmente caminhar pela rua concreta, pelas minhas ruas concretas, ora sozinha, ora acompanhada, me traz uma sensação única de pertencer, a qualquer coisa, qualquer lugar. Justo eu, que me sinto tão inadequada, tão contraditória... Eu. me deixo espairecer... Apesar de carregar, da maneira mais humana e incompleta, esperançosamente, tantas coisas.
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